domingo, 2 de outubro de 2011

Dividir para dominar



Por Olavo Pereira da Silva f.°

Por trás das motivações que se levantam para a divisão territorial do Piauí, emerge essa antiga máxima beligerante do exército chinês, notadamente praticada no império romano. 

É no poder de dominação que se vê o intuito de desmobilizar os indivíduos, para depois liderá-los em meio à segregação. Por meio dessa maquiavélica fragmentação da identidade social, a África foi partilhada no século XIX entre um seleto grupo de potências ocidentais. 

A indigência crônica do Piauí pode ter outra dimensão política. Mas, exemplos de desmembramentos só servem de escudos aos grupos dominantes. Por quanto desse tipo de apelo anti-social, o separatismo fomenta a criação de facções ativistas aliadas a protetorados políticos. Isso remete à ilusão do inimigo, criado na consciência dominadora. Por tanto, não se pode intempestivamente anunciar a separação como uma prova de amor para com o Estado, porque isso não depende da divisão territorial. Pelo contrário, a estima por um lugar está na consciência de nacionalidade e na apreensão da aldeia global.

Demarcações geográficas podem favorecer a administração política. Contudo, nessa divisão fisiológica muitas indagações merecem respostas dessas lideranças. Em que a gente do Gurguéia se distingue da gente do Piauí ou de suas adjacências? Suas escolas, hospitais, estradas, aeroportos seriam melhores? O povo teria acesso ao conhecimento ou suas universidades se contentariam com a famigerada distribuição de cotas e proliferação de diplomas? Suas paisagens urbanas seriam limpas dos nefastos engenhos publicitários que mascaram Teresina? Seus presídios teriam celas vazias? Suas vias seriam de paralelepípedos e não do antiecológico asfalto que permeia nossas ruas? E os acervos arquitetônicos e urbanísticos seriam preservados? O que seria objeto de valorização cultural? Redenção do Gurguéia remiria para Gurguéia? Como a cara metade deixaria de ser tão miserável quanto o resto do Estado? Se esses minguados anseios fossem afiançados pelo POVO, seria o primeiro a desejar essa separação. Para esses questionamentos, as respostas estão além da simples delimitação territorial. Prescinde a valorização do gênero humano. Exemplos de interdependências, não faltam e aqui mesmo temos um emblemático: Timon - mais que território maranhense é um bairro de Teresina. 

Seus articuladores sabem que os problemas da região do Gurguéia não são problemas isolados do Estado, e que não podem ser resolvidos isoladamente. Se as jazidas minerais, pastagens, água, sol, vento, paisagens desse território não são devidamente explorados, certamente, não se pode dizer da falta de ganância generalizada pelo crescimento econômico. Mas, por certo, da nossa própria cultura política. 


No Brasil, o crescimento econômico nunca foi sinônimo de felicidade. Sabemos a riqueza econômica dos antigos currais do Piauí se esvaiu para os latifundiários do litoral leste. Quem se beneficiou com a exploração de Serra Pelada? E a Itabira de Drumond? E o pré-sal? Seriam os bens auferidos de possíveis explorações das riquezas naturais do Gurguéia fraternalmente divididos com o resto do Estado? Então, quem se beneficiaria com isso?

Nesse contexto, o plebiscito não deixa de ser uma saída democrática. Reflete a nossa realidade social, o espírito das pessoas, ou a sua falta de espírito. Com isso, se pode mudar o mapa administrativo, mas não o mapa da miséria, da indigência, da indiferença que sombreia esse acontecimento. Seria realmente indispensável? Ou um bom debate nas escolas, instituições e nos meios de comunicação seria mais proveitoso? Quanto vai custar essa consulta? Não seria mais louvável canalizar tais recursos para as casas de caridade?

Separar diz muito: pôr à parte; desunir; desligar; desmembrar; apartar; segmentar; fragmentar; isolar; desagregar; segregar. Por isso vale lembrar: Povo trabalha unido permanece unido.

Estamos na mesma balsa, 
em breve domada pelas represas do Parnaíba.

O texto acima foi postado originalmente em "O Berrante nº  4" (de 07-09-2011), newsletter que o autor faz circular na internet 

O arquiteto campomaiorense Olavo Pereira da Silva Filho, autor do livro “Carnaúba, Pedra e Barro na Capitania de São José do Piauhy” – obra que foi publicada, em três volumes, graças ao Prêmio Rodrigo Melo Franco que lhe foi concedido, pelo IPHAN, em 2008 – é um verdadeiro baluarte da luta pela preservação do Patrimônio Cultural e Arquitetônico nos Sertões de Dentro do Piauí. Sua militância, no entanto, é mais abrangente, como se vê . 

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